Presidente quer indicar o Adventista Humberto Martins para o STF


O presidente Jair Bolsonaro prometeu que irá nomear para vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro “terrivelmente evangélico” para a vaga de Marco Aurélio Mello que se aposenta no dia 5 de julho, uma semana antes de completar 75 anos, idade máxima para permanência no Tribunal.


Bolsonaro já havia declarado isto em um discurso durante um culto evangélico na Câmara dos Deputados em julho de 2019. "Muitos tentam nos deixar de lado dizendo que o estado é laico. O estado é laico, mas nós somos cristãos. Ou para plagiar a minha querida Damares [Alves, ministra]: Nós somos terrivelmente cristãos. E esse espírito deve estar presente em todos os poderes. Por isso, o meu compromisso: poderei indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal [STF]. Um deles será terrivelmente evangélico", declarou o presidente.


Só para constar, os adventistas do sétimo dia apoiam enfaticamente a separação Igreja-Estado. A Igreja possui o Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa que incentiva, onde for possível, a necessidade de um Estado laico.


Na corrida para a vaga, dois nomes estão se movimentando nos bastidores: o do pastor presbiteriano e advogado-geral da União, André Mendonça, e o do adventista e presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins.


Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, disse que o presidente do STJ, Humberto Martins, não tem aprovação do mundo evangélico para uma vaga no STF. “Eu não tenho nada contra, mas não encarna o terrivelmente evangélico. O Bolsonaro, é minha impressão, não vai colocar alguém que não tenha aprovação de grande parte dos evangélicos”, disse o pastor, que se reuniu ontem com o presidente no Palácio do Planalto. Segundo o pastor, para muitos evangélicos, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, de Humberto Martins, nem é evangélica. “Há pontos doutrinários de alta discordância, como o guardar o sábado, por exemplo”, disse.


Malafaia ainda disse que, entre as lideranças evangélicas influentes no país, André Mendonça continua tendo apoio incondicional para a vaga no STF, que será aberta em julho.


O deputado Sóstenes Cavalcante, ligado ao pastor Malafaia, disse que Martins não representa a metade dos evangélicos. “Para nós, os adventistas não são evangélicos, são uma seita”, afirmou o parlamentar.


A revista Veja sustenta que o senador Flávio Bolsonaro trabalha por Humberto Martins. Mas acrescenta: “A vaga do decano Marco Aurélio Mello tem no chefe da AGU, André Mendonça, o candidato favorito. Mendonça é o nome defendido inclusive pela primeira-dama Michelle Bolsonaro. Nada impede, porém, que os filhos do presidente, como Flávio, tenham seus nomes. Outro que corre por fora com alguns apoios no bolsonarismo é o procurador-geral da República Augusto Aras”.


É até certo ponto compreensível a manifestação da vontade do presidente, pois é fruto da sua constitucional liberdade de expressão e pensamento, fazendo coro com parte do seu eleitorado pertencente ao segmento evangélico. Mas a palavra terrivelmente pode ser associada a um evangélico?


“Terrivelmente evangélico”. O que significa o termo? O que quer dizer? À primeira vista, alguém arraigado, disciplinado, fiel as leis e aos costumes que fazem parte desta confissão, o indivíduo que guarda os valores e princípios de uma parcela de cristãos que hoje representa cerca de 48 milhões de pessoas em nosso país.


Mas "terrivelmente" é advérbio de modo do adjetivo terrível que significa “aquele que causa terror”, “que produz resultados funestos”, “estranho”. Talvez o presidente quisesse utilizar um termo que impactaria a qualidade daquele que será indicado, mas infelizmente a colocação não foi das melhores, visto que esta expressão se contrapõe com as qualidades de um discípulo de Jesus Cristo. O apóstolo Paulo em sua carta aos Colossenses 3:12b, apresenta algumas características de um discípulo, sendo aquele que possui “profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência”. Tais atributos não se coadunam com aquele que é terrível.


Então, qual seria o real motivo para o presidente Jair Bolsonaro pretender indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para ocupar uma cadeira no STF?


Podemos presumir que seja em virtude do crescente ativismo judicial por parte do STF nos últimos anos, em especial, sobre questões morais de impacto social. A ideia do ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes (Legislativo e Executivo).


Assim, em se tratando de inércia legislativa, o Poder Judiciário vem surgindo como uma resposta para a sociedade, fazendo com que sejam emanadas novas decisões para preencher lacunas deixadas pelo Poder Legislativo. A título de exemplo, temos o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão 26, onde o STF enquadrou a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional.


Em razão deste ativismo judicial, talvez seja o pensamento do presidente Jair Bolsonaro nomear uma pessoa “terrivelmente evangélica” para a vaga que surgirá no STF a fim de influenciar a Suprema Corte por sua condição de religiosa. Essa ideia, com toda licença aos pensamentos contrários, apenas contribuirá ainda mais com o ativismo judicial. O que se espera é que tenhamos juízes que respeitem e se balizem pela Constituição Federal e que não sacrifiquem o sistema de separação de poderes que rege a democracia brasileira, professando uma religião ou não. E que a retidão corra como um rio, a justiça como um ribeiro perene.

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