Do crime à redenção, embaixador da juventude na Organização das Nações Unidas explica reviravolta


Jeconias Neto tem 29 anos, nasceu na Bahia e foi criado na periferia do Distrito Federal. Desde muito novo acabou entrando para a criminalidade, passou a praticar roubos, e também se envolveu com o tráfico de drogas. O resultado é que Jeconias acabou sendo preso.

Porém, quando ele teve incentivos de pessoas pagando os estudos e o apresentando à religião, Jeconias mudou de vida. Ele saiu do mundo da criminalidade que fazia parte e é uma pessoa que tenta dar oportunidades para outras que só precisam desse mesmo incentivo para mudar de vida.

Embaixador da Juventude na Organização das Nações Unidas (ONU), ele realiza um projeto no Ministério Carcerário Adventista e está à frente de um projeto piloto, que tem como objetivo capacitar os imigrantes venezuelanos do DF para terem oportunidades de vida e emprego.

O que te fez entrar para a vida do crime?

– Bom, são vários fatores que fazem alguém avançar nesse mundo da conduta criminosa. A escolha é um deles, a gente sempre escolhe. Mas, a gente precisa ter em vista que o fator da vulnerabilidade das comunidades em que nós somos criados, em que eu fui criado, contribuiu muito para que eu deixasse a escola, entrasse para o mundo da criminalidade muito cedo.

Então, a situação vulnerável do lugar colaborou, a família desestruturada que eu tinha também colaborou, porque meu pai deixou a gente. Então a minha mãe teve que se virar para poder trabalhar, manter a casa e criar os filhos. A gente tinha muito tempo livre. É nesse tempo que o tráfico de drogas te abraça.

Também tem o fator do empoderamento, porque o crime empodera o jovem. A maneira de aliciamento da criminalidade é top, porque ela te tira de um status de que você não é nada, não tem voz, não é visto. De um status de invisível, e te dá visibilidade por meio da violência e de várias coisas que, infelizmente, te empoderam.

Você acha que crescer num ambiente com altos índices de criminalidade, como você cresceu, na periferia, é o principal fator para que alguém entre no mundo do crime? Ou a situação familiar é mais determinante nessas situações?

– Eu acredito que crescer num ambiente em que há muita criminalidade, tráfico de drogas, problemáticas nesse sentido, colabora, mas não define. Não define, porque 90% da quebrada, da favela, não entrou para o tráfico de drogas nem para a criminalidade. Tem uma porcentagem pequena que não consegue se encaixar no modus operandi de trabalhador honesto, correria, e vai para o mundo do crime. Eu vou equilibrar as coisas: acho que as duas coisas colaboram. Só que você pode ver, na casa, a maioria dos caras que estão presos hoje são de famílias monoparentais. A maioria, a grande maioria esmagadora, ou foi criada só pela mãe ou só pelo pai, entendeu? Então, essas duas coisas contribuem, mas, na minha opinião, uma família desestruturada contribui muito mais do que uma quebrada influenciada pela criminalidade, porque você tem várias famílias fortes nas quebradas, e elas são essas que não passam por isso.

A seu ver, ter incentivos para mudar de vida e sair do mundo do crime fazem a diferença?

– Absolutamente. O problema é que nem o sistema penitenciário, nem as medidas socioeducativas, nem as políticas públicas que estão sendo hoje implementadas para essa questão da segurança pública, da inclusão social, da reeducação, são efetivas. Isso porque os incentivos que elas dão ainda não chegam nem perto dos incentivos que o crime dá para entrar no mundo da criminalidade. O crime consegue convencer mais porque, dentro dele, existe um esquema de empoderamento. No crime, a pessoa tem voz, tem o lugar dela. Então, ter incentivos sim, é determinante. Agora, a forma que esses incentivos têm que ser, na minha opinião, tem que partir muito mais da questão existencial do que da questão material. Ou seja, mostrar para a pessoa que ela pode ser alguém e que pode ser um indivíduo de bem.”

Como é a sensação de ser Embaixador da Juventude pela Organização das Nações Unidas (ONU), tão jovem e depois de todas as dificuldades que você já passou?

– Você já ouviu falar no improvável? Então, a sensação é de que algo muito improvável aconteceu. Mas também é de muita alegria, porque a favela venceu, ponto. Você ocupou um espaço, você chegou para compor um corpo de pessoas que têm uma certa responsabilidade diante da sociedade, diante das Nações Unidas, que não vêm de onde você veio. Mas também tem o sentimento de responsabilidade, porque essa responsabilidade aí é o que realmente dá sentido. Não adianta você ser o Presidente da República se você não tem responsabilidade, se você não se sente responsável.

Em que ponto você acha que a sua vida mudou de vez?

– Está mudando ainda. A vida começou a mudar quando eu tive acesso a algo muito importante para mim, que foi o contato com a igreja. Foi quando eu percebi que poderia dar a volta por cima. Depois, foi um relacionamento com um professor.

Eu fui à Argentina, e chegando lá eu conheci um professor que me ajudou a ter uma perspectiva diferente da vida, foi muito paciente comigo. Ele me levou para a casa dele, falou para eu ir lá todos os dias às 15h que ele iria me ajudar. E ele foi o cara que foi me ajudando nas matérias, mas também me deu livros muito bacanas para ler, de George Orwell a Vitor Hugo. E a Dra. Lilian de Moura Andrade, ela foi a minha mentora política da coisa. Ela que me ajudou a me mover na sociedade de forma inteligente. Foi ela que pagou pelos meus estudos.

Até agora, nessa sua trajetória, qual a lição mais valiosa que você aprendeu? Quem te ensinou? Ou foi por experiência própria que você conseguiu chegar nessa lição que você leva para a vida toda, que você vai ensinar para os seus filhos?

– Eu tive que apanhar tanto para poder conseguir consertar algumas coisas. A utilidade foi a maior lição que eu aprendi, porque ser útil para o bem, isso salvou a minha vida. Ser útil. Enquanto muitos falavam que eu era um inútil, que não valia nada, que não ia sair daquela situação, que era isso ou aquilo, enquanto minha própria família repetia isso, eu aprendi a ser útil. E isso eu aprendi com a educação, com a igreja e com amigos.

E você se arrepende de alguma coisa?

– Eu me arrependo muito de muita coisa. Chega a ser quase desanimador. Às vezes, se você não tem Deus no seu coração você sucumbe, você para. Você não quer avançar. Me arrependo, principalmente, por ter trazido tanto sofrimento para a minha família, por ter influenciado meus primos. Meu irmão está preso hoje, é mais novo que eu e tem 40 anos para cumprir. Mas é a vida, eu aprendi isso aí. O que que eu vou fazer agora? Eu não vou ficar me martirizando pelo que passou, porque todo mundo já faz isso por mim.

Como é o trabalho que você faz à frente do Ministério Carcerário Adventista, e qual o impacto que esse trabalho tem em você?

– Hoje tem duas coisas que eu acho incríveis. A primeira é voltar àquele lugar e falar de uma outra perspectiva, e a segunda é ver gente que está aqui fora e pensa que bandido tem que se perder, tem que morrer, e quando entra num presídio fala “aquele ali parece o meu filho, tem o mesmo semblante do meu filho”. É gente como a gente, e que dificilmente terá oportunidades na vida. Essas são as duas coisas que me impactam.

Você está à frente de um projeto piloto, que tem como objetivo capacitar os imigrantes venezuelanos do DF. Quais são as suas expectativas para esse projeto? Você pode explicar um pouco mais desse trabalho?

– O projeto se chama Inclusão sem Fronteiras, e esse é um projeto piloto da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA). A ADRA é uma entidade presente em mais de 130 países, é uma agência que executa a política de assistência social. A ADRA hoje está junto com o Governo Federal num projeto de interiorização dos imigrantes venezuelanos. Então, nós estamos tanto no processo de interiorizá-los em vários estados, quanto nesse agora de formar, certificar, qualificar e incluir no mundo do trabalho. É um projeto de curto prazo, mas que tem como expectativa principal dar a capacidade para o imigrante disputar vagas e ser inserido no mundo do trabalho de maneira mais digna.

Você considera que, depois de tudo que você passou na vida, é o seu dever participar de um projeto como esse para abrir caminhos e portas para pessoas com pouca perspectiva?

– Não só é o meu dever, como é o que me move. Eu encaro como um dever, mas também é o que me move. Porque, para mim, não existe nada mais gratificante do que ver alguém que não tinha oportunidade nenhuma, mas que está agora inserido num contexto completamente diferente.

Se você pudesse dar um conselho para cada uma das 200 pessoas que serão afetadas por esse projeto nos próximos quatro meses, qual seria?

– Não desperdice uma oportunidade como essas. Aproveite essa oportunidade, porque muitas vezes a gente só precisa de uma oportunidade para fazer a coisa mudar. Então, se esforce, peça ajuda, seja o protagonista disso, seja o maior interessado nessa formação e não desista.

Desde que você começou a lidar com esse projeto dos imigrantes venezuelanos no DF, você conseguiu ver alguma semelhança entre o que você passou, a sua história, e o que essas pessoas estão passando agora?

– Tem uma semelhança sim. É diferente, mas tem uma semelhança. Quando as vejo aqui, a comunidade de imigrantes tem medo. Você oferece o curso para ela e ela tem medo de se inscrever porque ela não sabe se aquilo ali é real, ou se alguém vai fazer alguma coisa contra ela. Então, ela não se sente parte da comunidade. Essa é a semelhança. Não se sentir parte da comunidade. Porque quem vive no submundo do crime também é considerado um imigrante. Alguém que vive em outro mundo. Então, tem essa semelhança, de buscar o senso de pertencimento.

Fonte/ Agência de Noticias Uniceub/  Por Bruna Alessandra Rossi e Eduardo Hahon

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